Mais de 111 mil brasileiros foram afetados por venenos em 10 anos – a maior parte decorrente do uso de agrotóxicos.
O cenário da liberação dos agrotóxicos no Brasil pode ser visto, antes de qualquer análise, em números. Assusta que, em menos de seis meses de governo Bolsonaro, já sejam quase 300 as novas autorizações para a utilização de produtos químicos nas lavouras brasileiras. Há quem diga que os números não mentem, mas é fato que eles precisam de contexto.
A notícia é de Giovanna Galvani, publicada por CartaCapital, 09-07-2019.
Para a comunidade ruralista, por exemplo, não significa muito que a escalada dos venenos figure entre as maiores já registradas desde 2005, de acordo com os dados do Ministério da Agricultura, já que eles são apenas ‘genéricos’ de substâncias já aprovadas para utilização. A ministra Tereza Cristina nomeou como “falácia” a acusação de que a liberação seja um recorde histórico. “A maior parte dos produtos são genéricos, de moléculas que já estavam aí há anos e que beneficiam pequenos produtores”. Existir, de fato, eles existiam, mas beneficiar não parece ser a palavra propícia para os efeitos dos agrotóxicos na população.
De acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, cerca de 111 mil pessoas foram notificadas como expostas ou intoxicadas por agentes tóxicos no País entre 2007 e 2017 – a pasta considera, para fins de estudo, ‘agrotóxico’ o grupo de uso agrícola, domiciliar e de saúde pública, juntamente com os raticidas e produtos veterinários, apesar de serem separados em número total. Nesse meio tempo, o ritmo das complicações de saúde acompanhou a maior liberação de novos ativos agrícolas e produtos técnicos (como é chamado o ‘genérico’), e as análises mais emblemáticas mostraram uma ligação sádica entre a contaminação e o aumento nas tentativas de suicídio de trabalhadores rurais.
Esse trabalhador, na maior parte dos casos registrados, é um homem adulto, branco, de 20 a 39 anos. A estatística não impede, porém, que os venenos alcancem outro tipo de público – especialmente pela adoção de práticas criticadas e ilegais em países da União Europeia, como a pulverização aérea. Com a ação dos aviões, pequenas propriedades, sítios, assentamentos e comunidades tradicionais são expostos, relatou a pesquisadora Larissa Bombardi, da Universidade de São Paulo. Nelas, estão inclusas as crianças.
Ela também defende que a questão não é somente o modo de uso – ponto levantado por Tereza Cristina e pelos ruralistas como um problema de possível resolução rápida apenas com instruções adequadas. Pelos números de escolaridade, o segundo grupo mais afetado possuía Ensino Médio completo. O problema não seria a instrução em si, mas os aparatos de segurança e fiscalização corretos, aparentemente negados aos trabalhadores.
A discussão sobre a expansão das fronteiras agrícolas diz sobre os venenos, mas também sobre as florestas ameaçadas com uma nova visão de País – aquele que pertence aos ruralistas, segundo afirmou orgulhosamente o presidente Jair Bolsonaro em encontro com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) na quinta-feira 04. Chegou a dizer, também, que os produtores tinham um ‘casamento’ com o Ministério do Meio Ambiente, outra pasta chave no assunto. Os números não mentem, e dificilmente o contexto brasileiro se recuperará tão rápido do gole de veneno que vem engolindo.
Notícia original em: Cartacapital.com.br
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